Treinador fala da carreira e sonhos realizados

Um homem, um sonho, várias realizações

                                          Foto: Autor desconhecido
A Seleção de Ibirataia teve o comando do Professor Léo  
Em outras épocas, jogar futebol, praticar capoeira e cantar, eram consideradas práticas de vagabundos. O preconceito e a falta de informação se misturavam com a pouca profissionalização e impediam, ou tentavam impedir, que as artes fossem praticadas por pessoas de classe média/alta.  Valmir Rodrigues de Santana ou Professor Léo como é chamado pelos amigos, sentiu isso na pele.

Seu pai, o senhor Dionízio Boaventura de Santana queria que Léo estudasse Direito, mas o sonho do garoto nascido em Ibirataia era jogar futebol: “meu pai tinha boa condição financeira e queria que eu fosse Advogado. Eu estava com 6 ou 7 anos de idade quando decidi jogar futebol”, revelou ele. Léo ouvia as transmissões esportivas pelo rádio e ficava empolgado, daí nasceu o amor ao esporte.

Para que o sonho fosse realizado era preciso praticar. O sonhador ia para a escola e depois, jogava bola. Quando não tinha a gorduchinha, ele fazia uma, de meia e a brincadeira continuava. Assim conseguiu concluir o 2º grau e foi parar em um colégio interno em Jaguaquara, distante 320 Km de Salvador Bahia, onde permaneceu por 5 anos, contrariando o pai.

"Meu pai falou que eu estava ficando maluco e que isso era sonho de malandro". De tanto insistir, Léo conseguiu convencer o senhor Dionízio a patrocinar sua viagem ao Rio de Janeiro: "quando cheguei na rodoviária me sentei na mala de couro e chorei arrependido, mas eu queria jogar futebol", disse emocionado. Como consolo, o dono da pousada onde Léo dormia indicou a praia para os treinos.

"Comprei uma bola e fui para a praia de Botafogo, foi chegando gente, gostaram de mim e me indicaram para o Campo Grande", lembrou ele. Léo disputou vaga com mais de 150 garotos: "o treinador Esquerdinha me deu 15 minutos para mostrar meu talento e aos 10 eu nem havia tocado na bola, ele me colocou de ponta esquerda e fui bem sucedido", falou e sorriu.

O contrato

Por ser de menor idade, Valmir necessitava de um documento assinado pelo pai, para fazer a inscrição na Federação Carioca de Futebol (FCF): "eu não tinha esse documento, então comecei a chorar", mais uma vez se emocionou. Mas a sorte estava do seu lado e o seu supervisor, Jair o disse: "baiano, chore não, vou dar um jeito nisso". Ele fez uma procuração e assinou como responsável pelo menino da Bahia.

Mais um desafio:

O garoto de Ibirataia, além de desafiar o pai, resolveu comprar briga com o treinador. No jogo Campo Grande X Olaria, seu time precisava de um cabeça de área: "chamei o professor e falei que jogava nessa posição, ele me deu uma bronca que fiquei com vergonha". Léo insistiu e como não apareceu o jogador para a posição, durante o treino a pronto, seu nome foi lançado como cabeça de área.

Nesse dia, mais uma vez, Léo contou com a sorte e a bola só caia nele, que fez 2 gols e venceram a partida por 4 X 1. No final, o treinador o abraçou e disse: "esse baiano, tem que ser baiano mesmo pra fazer isso!" Léo tomou conta da posição, onde permaneceu até o término do seu contrato, quando retornou para Ibirataia, onde se casou e tem uma relação que dura 47 anos.

Outro desafio

Antes de retornar para a Bahia, Valmir ingressou na carreira militar como Recruta, ainda aos 18 anos de idade, passou a Soldado, se tornou Cabo e depois promovido a Sargento de Informação do Exército Brasileiro. Por amor ao futebol, brigou com um Coronel e pediu dispensa das forças armadas: "eu falei pra ele que estava no Rio para jogar futebol, o Exército era consequência".

A dificuldade

A coragem do rapaz de Ibirataia lhe trouxe grandes problemas. Com os constantes atrasos no pagamento dos salários do time em que jogava, Léo passou a dever na pensão onde dormia: "a esposa do dono do estabelecimento me dava comida escondido pra ele não ver". Além disso, o rapaz chegou a dormir no trem, mas nada o impedia de realizar seu grande sonho, jogar futebol.

O casamento

De férias, resolveu visitar a família: "vir passar 15 dias e a mulherada caiu matando", recordou sorridente. Uma das que se interessou por Léo foi Linalva Braga de Santana na época com 18 anos de idade, hoje está com 65 e 47 de matrimônio, ele tinha 23 e hoje está com 70 anos de idade, já aposentado. Nasceram-lhes 7 filhos: 6 homens e 1 mulher.

Times que já atuou

Janísaris (Itabuna), Fluminense (Ipiaú), Seleção de Ipiaú, Grêmio, onde foi campeão em 1973 (Ipiaú), fundou o Lua Nova masculino e feminino (Ibirataia), fundou o Grêmio da Cachoeira (Guloso/Ibirataia), Juventude, Seleção de Ibirataia, Nacional (Amazonas), Bandeirantes (Brasília), Santa Maria (Brasília), Metropolitana (Brasília), Seleção de Brasília e com a idade chegando Léo retornou para Ibirataia.

 Decepção no futebol

Nem tudo foi flores na carreira do campeão. Ao assumir a seleção de Ibirataia conheceu um dirigente da Liga de Futebol do município, que era corrupto. Por motivos éticos não serão revelados a data e os nomes, mas o jogo entre Ibirataia X Maracás ficou gravado na mente do treinador. O Prefeito da época liberou o dinheiro para o ônibus, mas o desonesto desviou o montante.

Ao saber que seu time não jogaria, Léo se irou: "era um sábado e eu saí igual um louco procurando carro", falou envergonhado. A seleção viajou em 3 combis e ao chegar em Maracás foram recebidos com vaias: "é esse o time de Ibirataia, que nem ônibus tem!" Ele lembrou ainda da goleada sofrida por 16 X 1 contra Ubaitaba, segundo ele, era o mesmo dirigente, que se vendeu por 1 caixa de cerveja.

Drogas

"Hoje em dia é complicado montar uma equipe de futebol, hoje as drogas tomaram conta de tudo e em um grupo sempre tem 2 ou 3 viciados em drogas", se lamentou. Léo desenvolveu projetos em Ibirataia com o futsal, mas disse não ter obtido o resultado que desejava. A falta de apoio por parte do poder público o impediu de continuar ministrando as aulas.

Política

"O Brasil não está preparado para uma democracia. Na época do militarismo a gente era feliz e não sabia", ele se referia a corrupção e citou a construção dos estádios para a Copa do Mundo a ser realizada no Brasil. Sobre o governo municipal de Ibirataia ele não quis comentar: "acredito que ainda é cedo para falar do atual Prefeito", falou e olhou firme nos olhos do entrevistador.

Outras funções

Na década de 1970, o aventureiro ainda fundou a 1ª banda de Ibirataia, quando a jovem guarda estava no auge. Hoje, Léo mantém seu talento musical fazendo forró pé de serra e animando festas em épocas de São João. Além de jogador, treinador e músico, Léo é formado em contabilidade e técnico agropecuário, função que exerceu nas Fazendas Reunidas Thiara.

A entrevista foi solicitada por um ex-aluno e escudeiro fiel de Valmir Rodrigues. Ederval Reis Moura ouvia atento cada resposta e se emocionava ao olhar as fotos já desgastadas pelo tempo. Léo, está afastado do futebol, mas sempre é consultado pelos novos treinadores, quando o assunto é montar um bom time. Ele se despediu dizendo: "estou aqui e o meu sonho foi realizado, eu joguei futebol", concluiu.  

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