A lenda de camuflado

Homenagem ao Sargento Fuzileiro Naval de Castro

                                 Imagem: Roger Bahia
De Castro foi instrutor de Roger Bahia no Corpo de Fuzileiros Navais

A lenda de camuflado

Por: Roger Bahia                       
03 de maio de 2017


Já contei várias histórias
De tudo astuciei
Alguns relatos sinceros
Outros confesso que inventei
Só que agora vou contar
O que na vida passei.

O sonho de toda criança
É ser um super-herói
Imagina tudo tão lindo
E seu mundo ele constrói
Mas quando vem as pelejas
A alma não aguenta e dói.

Eu era ainda pequeno
Quando sonhei ser soldado
Todos que ouviam diziam:
“Vejam o pobre coitado!”
Alguns até me chamavam:
“De garoto retardado.”              01

Cresci e realizei
O que havia sonhado
Fui Fuzileiro Naval
Infante determinado
Honrando os ensinamentos
Me senti realizado.

Servi em um Grupamento
Na Capital da Bahia
Ali aprendi a viver
Com as lições que recebia
E com alegria recordo
Do meu tempo de Marinha.

Foi lá que eu conheci
Um instrutor invocado
E Pra falar mesmo a verdade
Ele era mal encarado
Dizia ser a “Desgraça”  
E me deixava amedrontado.    02

Seu semblante sempre fechado
Sorriso ele não trazia
Seu comando era firme
E todos obedeciam
E pra completar a história
Por besteira ele punia.

Lembro-me de um recruta
De prenome Eduardo
Que não tomou iogurte
Ele estava estressado
E brigou com o chefe
Que se chamava De Castro.

Naquela dura peleja
Entre o Cabo e o recruta
De Castro disse a Eduardo
“Cala a boca e me escuta”
E toda turma chorando
Dizia: “meus Deus que labuta”.    03

Depois desse episódio
Outro ainda aconteceu
Com o zero dois Reginaldo
Veja no que se deu
Com o militar desonesto
Que a De Castro aborreceu.

O cardápio daquela noite
Era bolo com Jacuba
O cozinheiro servia
A etapa ao recruta
Mas Reginaldo teve
Uma ideia astuta.

Veio de ponta de pé
E pegou bolo escondido
Só que pro seu azar
O Cabo ficou ofendido
Por causa daquela tramoia
Do recruta impudico*.             04

De Castro foi mais astuto
E chamou ao cozinheiro
Pegou a sobra do bolo
E fez tudo bem ligeiro
Fez Reginaldo comer
Pra punir o sorrateiro.

O temor ia crescendo
Ao Fuzileiro ruim
E ele ainda dizia
Que gostava de ser assim
Mas pra encurtar a conversa
Veja o que sobrou pra mim.

Numa noite bem escura
Ficamos de pé acordados
E o instrutor bem perverso
Caminhava lado a lado
Ninguém ousava falar
Todos ficamos calados.    05

Foi nessa noite então
Que o gigante caiu
Diante de um recruta
Que da roça surgiu
Parece até brincadeira
O coração do Cabo partiu

O instrutor se sentou
Na escada de concreto
E ordenou que o recruta
Ficasse muito esperto
Para contar-lhe uma história
E que fosse bem direto.

Pensei e não hesitei
E comecei a falar
Contando do meu passado
O Cabo se pôs a chorar
E todos se emocionaram
Pois tudo ia mudar.    06

Na manhã seguinte
A notícia se espalhou
E fiquei conhecido
Como historiador
E o coração de De Castro
Logo se aquebrantou

Ele passou a tratar
Os Recrutas com carinho
E sei que muitos o tinham
A De Castro por padrinho
Nos ensinava as lições
A gente aprendia rapidinho.

Passamos a gostar dele
E sua fama então mudou
O que antes era Desgraça
Agora Graça virou
E Gelsion Inácio De Castro
Numa lenda se transformou.   07

Na escola de recrutas
É preciso escolher
Um instrutor preferido
Para as honras receber
E nossa turma unanime
Veio a De Castro escolher.

A turma de 1/91
Tem muito o que falar
Foram muitas aventuras
Mas nem todas vou contar
Esse pequeno relato
É só para recordar.

Depois da formatura
Ganhamos a promoção
E daquele Cabo Infante
Ganhamos o coração
E até hoje agradeço
Por toda aquela instrução.   08

De Castro era simpático
Dos olhos azuis reluzentes
Nascido lá em Natal
Ele é bem inteligente
Trabalhou desde pequeno
Para crescer boa gente.

O dinheiro que pegava
Levava todo pra casa
Ajudando seus irmãos
Foram vencendo batalhas
E Deus assim o ajudou
E o Gato Guerreiro brilhava.

Mas chegou um dia
Em que sua alma entristeceu
Pois o seu filho querido
Um acidente sofreu
E mais uma vez o gigante
Ao choro se rendeu.             09

Arthur era o primogênito
Que do prédio caiu
Mas Deus estava na causa
E toda dor ele viu
Poupou a vida do menino
E De Castro então sorriu.

Depois que venceu meu contrato
Voltei a vida paisana
Mas nunca deixei de lembrar
Daquela turma bacana
São meus irmãos verdadeiros
E disso ninguém se engana.    

O tempo passou depressa
E afastado fiquei
Mas quando bateu a saudade
Ao quartel eu retornei
E lá estava De Castro
Por sorte o encontrei.     10

Passei o dia com ele
Da festa participei
E até de punhos cerrados
Flexão eu paguei
Ele estava tão feliz
E eu também me alegrei.

Depois disso combinamos
E fui fazer-lhe uma visita
Na casa onde morava
Só quem o conhece acredita
Fui tão bem recebido
Eu mais parecia um artista.

Artur já estava crescido
Um homem já bem formado
E vi que aquele rapaz
Era mesmo abençoado
Por Castro e sua família
Eu fiquei regozijado.               11

Certamente aprendi
Uma grande lição
Por mais forte que seja
O homem sente emoção
Chora e não consegue
Esconder a aflição.

Essa é a história
Que fiz para um irmão
Quero que ele acredite
Que veio do coração
E em tempo de vida
Fazer-lhe honrosa menção.

Independente do tempo
E da patente atual
Pra mim você sempre vai ser
O Cabo infante Naval
A lenda de camuflado

Um homem de grande moral.    12

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